Sunday, December 31, 2017

Calor

“Está um calor que não se aguenta” Pensava enquanto escorria suor, mesmo à sombra, numa esplanada à beira mar! Há meses que não saia da rotina, casa trabalho, trabalho casa e hoje, enquanto destilava pensava “Quem me mandou a mim sair de casa?” O Aleixo aceitou uma deslocação de trabalho para Angola. Seriam só uns meses, casa, todas as condições de habitabilidade e deslocação… Enfim, depois da separação não havia nada que o prendesse a não ser a Laurinha, mas o dinheiro extra iria dar muito jeito, para pagar o colégio da Laurinha. Os pais já morreram, os dois irmãos, um na Bélgica e o outro no Canadá. Os meses a que se propôs ir para Angola, em 2011, transformaram-se em 1 ano, depois em 2 e ainda continuam. Vai com regularidade a Portugal. Na posição que ocupa, consegue ir 3 períodos de 2 semanas, por ano. “Sempre dá para matar as saudades da miúda…”. Já não vê os irmãos há anos, é difícil conseguirem encontrar-se todos ao mesmo tempo em Portugal. Habituou-se a Angola, habituou-se à confusão do trânsito de Luanda, o trabalho “trabalho é trabalho seja onde for”. O Aleixo foi casado com a Fátima durante 10 anos, nasceu a Laurinha e pronto as coisas não se desenvolveram, provavelmente desde o início que não se desenvolveram, mas agora também não interessa, já passou demasiado tempo para voltar a essas preocupações. Hoje, no dia do seu 43º aniversário, Sábado, acordou por voltas das 8h e pensou “Porra Aleixo, fazes anos hoje, não vais passar o dia todo em casa, sem fazer nada”. E assim decidiu sair e ir até à ilha. Assim que se sentou na esplanada, começou o arrependimento “Que calor horrível!”. O Aleixo não está habituado a estar na rua. Em casa tem ar condicionado, no carro tem ar condicionado, no escritório tem ar condicionado. Vive em África, mas não sente África… Não gosta de sair, há meses que não saia, mas hoje decidiu, mesmo sozinho e porque fazia anos, sair para celebrar, sozinho… Decidiu ligar ao António, colega da empresa, que como ele tinha vindo para Angola por um período de meses e já lá iam 4 anos. Já estava na esplanada há 2 horas e entre uma cerveja, um pica-pau e um mergulho no mar, deu por si a pensar que afinal tinha tomado uma boa decisão ao sair de casa. O bar estava animado, à medida que o tempo ia passando, iam chegando mais pessoas, que iam ocupando as mesas e as espreguiçadeiras montadas na areia. Entretanto chegou o António. Mas o António é diferente do Aleixo, mais extrovertido, sempre bem-disposto, passado pouco tempo depois de chegar a Angola e sendo solteiro, arranjou namorada. O Aleixo ainda lhe disse, “vê lá no que te estás a meter”, mas o António não ligou e fez bem. Está com a Esilda há 3 anos e dão-se muito bem. Têm um bebé a caminho e isso é que preocupa o António, depois do bebé nascer, onde é que vão viver. O Aleixo é assim, um homem preocupado, não sabe bem com o que, mas preocupado, pouco dado grandes algazarras, tímido, introvertido. Quem o vê no escritório, não vê o verdadeiro Aleixo. No escritório e pela posição que ocupa é um homem confiante, responsável, seguro de si mesmo. É o personagem que ele encarna. O António chegou e fez-se logo notar, chegou à mesa a cantar os parabéns, a rir, a abraçar o amigo, a chamar os empregados, porque festa não se faz a seco. As mesas em redor repararam e começaram a rir, a achar piada à situação e se o Aleixo tivesse um buraquinho no chão nesse momento, tinha-se escondido lá dentro. “Para com isso António, deixa-te de coisas pá, se soubesse que ias armar essa confusão não te tinha dito nada” “Ah deixa de ser assim, é o teu dia de anos, diverte-te!” Os ânimos acalmaram e ficaram os dois a conversar. Tinham feito um acordo há anos de não conversar de trabalho fora do escritório e conseguiam manter. Falavam da vida, o Aleixo falava da Laurinha, o António falava da Esilda, falavam de Portugal, falavam das saudades, falavam dos planos que tinham para o futuro… Numa ida à casa-de-banho, o António cruzou-se com uma senhora, aparentava estar nos 30’s, muito bonita, simples e elegante. Quando se olharam ela sorriu-lhe e deu-lhe os parabéns, tinha ouvido a chegada do António. O Aleixo muito envergonhado, agradeceu e corou, ela soltou uma pequena gargalhada e cada um foi para seu lado. Quando voltou para a mesa, o António ao ver a cara do Aleixo, perguntou-lhe “então pá viste algum fantasma?” “Pelo contrário António, pelo contrário…” e mais não disse, mas o seu sorriso traí-o. Procurou a sua nova amiga pelas mesas do bar e viu que estava sentada numa mesa, com mais 3 amigas. Todas mais ou menos da mesma idade, todas simples, bonitas e elegantes. Conversavam alegremente e nisto o Aleixou reparou que a sua nova amiga também estava a procura de alguém, quando os seus olhares se cruzaram novamente, ela voltou a sorrir e o Aleixo voltou a ficar corado… “António, vou à água, queres vir?” “Sabes que eu não sou dado a banhos, vai lá tu que eu guardo a tua cerveja!” e soltou mais uma gargalhada. Ao sair da água, cruza-se com a sua nova amiga que ia tomar banho com 2 das amigas da mesa e ela lança-lhe um “Aniversariante…” entre um sorriso. “Raio do António que não sabe estar calado” mas ao mesmo tempo até gostava da atenção que estava a ter. Quando chegou à mesa, viu o António um bocado atrapalhado. “Então o que é que se passa António?” “Aleixo, desculpa tenho que ir embora, a Esilda ligou-me e precisa de mim lá em casa. Não me explicou porque, só me disse que é urgente” e saiu disparado, deixando o Aleixo sozinho. “Então e agora o que é que eu faço aqui sozinho?” pensou, mas no que pensava chegou-lhe à mesa o almoço que entretanto se tinha esquecido. “Almoço e vou embora” De olhos no prato, quando reparou que alguém se tinha aproximado, assustou-se mas quando levantou os olhos, tinha a sua nova amiga à sua frente a sorrir e a perguntar-lhe se se podia sentar. Só conseguiu acenar afirmativamente com a cabeça, não sabia o que dizer. “Olá, o meu nome é Isabel” “Eu sou o Aleixo” “Eu sei, ouvi o teu amigo chamar-te quando chegou” e soltou uma gargalhada. Aqui o Aleixo também riu, não tinha como não rir. “E o teu amigo?” “Foi embora, a mulher ligou-lhe, disse que tinha uma urgência em casa” “Posso ficar aqui contigo?” “Podes claro, mas e as tuas amigas?” “Elas estão bem, estão a mal-dizer os maridos!” “E tu não mal-dizes o teu?” “Para o mal-dizer, teria que o ter…” As horas foram passando, a conversa continuou a fluir, a Isabel era muito simpática, o Aleixo tímido, ele gostou da simpatia dela e ela gostou da timidez dele. Entretanto as amigas vieram à mesa dizer que se iam embora, o Aleixo disse à Isabel que se ela quisesse ficar, ele dava-lhe boleia a casa e ela aceitou. Assim, as amigas foram embora, o amigo já tinha ido e ficaram os dois. Quando deram por si, era quase de noite. “Está a ficar tarde, se calhar é melhor irmos andando, mas…” disse o Aleixo “Sim?” respondeu a Isabel “Não queria ficar por aqui” Agora foi a vez da Isabel ficar com vergonha, baixou a cabeça e disse-lhe que também não queria ficar por ali. “Olha, moramos os dois não muito longe, deixo-te em casa, vou a casa, preparamo-nos e vamos jantar?” O Aleixo nem sabia de onde lhe tinha saído esta coragem, mas assim que disse arrependeu-se com medo que a Isabel recusasse. Para espanto dele, ela concordou. O Aleixo deixou a Isabel em casa, foi para casa e deitou-se por um momento no sofá. Acordou no dia seguinte, às 7:30h e quando viu o telemóvel tinha 3 chamadas não atendidas da Isabel… “Burro…”

Tuesday, April 07, 2009

Cromos

Este Texto já tem uns 15 anos, andou perdido, encontrei-o agora, achei por bem colocá-lo aqui...

CROMOS
Dinheiro!!!!
Hoje vou escrever sobre dinheiro!
A falta de dinheiro, o excesso de dinheiro (not!)
A nossa sociedade, toda ela, gira em volta do dinheiro, notas, moedas, cartões, acções, títulos, sei lá, tanta porcaria!
Se existem males necessários neste Mundo e imaginando uma monarquia de males, o dinheiro é, sem dúvida alguma, o Grande, o Todo Poderoso, o Rei!
Países caiem aos pés do dinheiro, países elevam-se em volta do dinheiro!
Depois, há o problema da evolução pessoal. Quanto mais se cresce, mais dinheiro é necessário. Lembro-me de quando ainda era um "gaiato", não tinha dinheiro, tinha algum, mas pouco. Nunca me faltava para nada. Desde que comesse o meu geladinho no Verão, comprasse os meus cromos de vez em quando, era o que bastava e nem me chateava com isso.
Hoje tudo é diferente. Sou mais velho, sou um pré-adulto (sim é verdade, não me digam que já sou adulto que "eu nego cara..., eu nego") e as necessidades monetárias estão mais acentuadas. É verdade, não me falta nada, como não me faltava quando era pequeno, mas o problema é que eu já não sou pequeno. Já não me contento só com o geladinho no Verão, com os cromos de vez em quando. Quero gelados todos os dias, seja Verão ou Inverno. Quero cromos, muitos cromos!!!
Será que me tornei ganancioso, à custa de tanto viver no meio do dinheiro? Ou será o problema, tão somente, ter crescido? Ou será um pouco dos dois?. Penso que atribuição de culpas, num problema destes é irreal, desnecessário, imaturo e parcial.
Hoje chateei-me com a minha mãe. A razão: dinheiro! Depois de um texto destes, nem era preciso dizê-lo, mas optei por fazê-lo para que não restassem quaisquer dúvidas. Eu queria cromos, a minha mãe disse-me que já me tinha comprado ontem, mas eu queria mais. Afinal quem me habituou aos cromos foi a minha mãe (mentira, não foi só a minha mãe, foram todos!). Eu nem sabia que eles existiam!
Eu cresci, não sei se já repararam, mas eu cresci. Nem sei se foi para melhor se foi para pior, mas isso também não é assunto para hoje.
Mãe, desculpa pela discussão de hoje, mas o problema são os CROMOS!!!!

Thursday, March 05, 2009

Uma noite

Entrámos no bar, devia ser, mais coisa menos coisa, uma da manhã.
O mesmo grupo de sempre, de há dez anos para cá.
Estávamos todos bem dispostos, como é hábito, mas por alguma razão, eu estava distraído. Olhei em volta, a ver se via alguma das poucas caras conhecidas, que não fazendo parte deste grupo mais chegado, posso, por vezes, ter uma conversa, que não se restrinja ao habitual "então tudo bem?".
Algumas caras totalmente desconhecidas, poucas, afinal estamos em Março, não é altura para haver já muitos "estrangeiros".
A música é sempre interessante, uma das razões que nos faz vir aqui, num volume que nos deixar ouvir os nossos cérebros a funcionar, conseguindo mesmo conversar, sem gritar aos ouvidos uns dos outros.
Não poucas vezes já me dirigi ao bar para saber o que estava a passar, umas das barmaids lá me diz o nome, completamente desconhecido, mais um admirável mundo novo musical, terminando a conversa normalmente com um "se quiseres, eu gravo-te num cd". As vezes em que já houve um final de conversa destes entre nós, se tivessem sempre resultado num cd gravado, já tinha uma considerável colecção de "sons alternativos, pós-modernos, neo-clássicos, ligeiramente electrónicos..."
Quando dei por mim, já estávamos todos em frente ao balcão. Foi quando a vi, estava ao fundo, vodka tónica numa mão, cigarro na outra, conversando com uma amiga, com quem já a vi algumas vezes, mas de quem pouco sei, nem mesmo o nome.
Aproximei-me
Olá, tudo bem?
O que é que me queres Zé?
Desculpa, nada de mais, só cumprimentar-te...
(não era bem só cumprimentar-te, mas com uma entrada destas, fiquei desarmado, sem saber o que dizer a seguir)
Mais uma vez, desculpa...
Afastei-me, sem olhar para ela, só quando já estava longe, entretanto tinham-se sentado a uma mesa, é que olhei para ela novamente, notei que, por instantes ficou ligeiramente incomodada (se calhar não devia ter dito nada, mas agora é tarde...)
Ali ficamos sentados, cerveja atrás de cerveja, conversa atrás de conversa, risada atrás de risada
Quem é que se lembrou das tequillas?
Tudo bem, desde que seja só uma, duas no máximo, vocês sabem bem como é que eu fico, se bebo mais do que duas.
Vá lá, não sejas assim, hoje não é uma noite qualquer e amanhã também não vais trabalhar!
Ai não? Então quem é que vai casar?
Ninguém, mas há tanto tempo que não estamos todos juntos, sem más disposições, sem desculpas esfarrapadas para ir para casa mais cedo (a mim é que me apetece ir para casa mais cedo, mas não vou, sei bem que não vou).
Pronto está bem, convenceram-me, manda lá vir mais uma rodada então!
Ah eu sabia que não nos ias deixar ficar mal
Sim está bem, sabem bem como sou, não é preciso muito para me convencerem, especialmente com tequilla!
Dei mais uma vista de olhos ao bar, começou a chegar mais gente e ela continua lá ao fundo, entretanto com mais pessoal amigo.
De vez em quando, os nossos olhos cruzam-se, vejo uma tristeza no olhar dela, ela deve ver qualquer coisa no meu também.
A noite avança, o álcool desliza, o cérebro começa a afastar as ideias de ir para casa mais cedo, o tom de voz aumenta, em parte por culpa do maior número de pessoas que agora estão no bar.
Olho mais umas vezes em volta, com tanta gente agora, tenho dificuldade em encontá-la, mas ela lá está, ainda ao fundo do balcão, nota-se que também o álcool já faz os seus efeitos, porque quando olha para mim, já não é com os mesmos olhos tristes, já consegue esboçar um sorriso tímido, na minha direcção. Eu faço o mesmo, um sorriso tímido, ligeiramente culpado, a cerveja e a tequilla (quantas são já? alguém tem estado a contar?) fazem-me isto, desculpabilizam-me, tiram-me o peso de cima dos ombros, de certeza que não é só a mim, a ela torna-a menos fria, menos zangada...
Levanto-me, tenho que ir à casa-de-banho, tenho que passar por ela, faço os possíveis para não passar mesmo junto a ela, mas ela faz os possíveis para que fiquemos mesmo frente a frente aquando da minha passagem.
Desculpa, há bocado fui um bocado ríspida contigo
Não faz mal, eu compreendo, sabes que eu compreendo, sabes que te dou razão
Zé, eu não quero que me dês razão, não preciso ter razão, não quero ter razão
Tens razão, desculpa
Oh Zé para com isso!!!
Desculpa! Desculpa, saiu sem querer...
Ainda bem que ela me interrompeu com uma gargalhada, sincera, descomprometida, realmente feliz, mas também já se sabe, o álcool alegra!
Ficamos de olhos fixos um no outro durante uns segundos, um sorriso estampado nos nossos rostos, mas aí lembrei-me
Não te vás embora, tenho que ir à casa-de-banho, já volto!
Não sei Zé, o pessoal já estava mesmo de saída
Vá lá, é rápido!
Então mas que me queres?
Não sei... mas gostei de te ver, gostei de olhar para ti
Contigo é sempre a mesma coisa ... vá, vai lá à casa-de-banho
Esperas?
Vai!!!
Quando voltei não a vi, já estava a espera de não a ver
Voltei para a mesa a pensar, talvez tenha sido melhor assim
O pessoal lá estava e eu lá me juntei
A partir daqui, já se sabe, a memória começa a falhar...
Dia seguinte
Acordei na cama, na minha cama, sozinho, não me falta nada, daqui a pouco já telefono para saber como cheguei a casa...
E ela. Ela não sei, não me lembro se ainda a vi nessa noite, provavelmente não, é melhor que não...

Saturday, February 24, 2007

ha algum tempo!

ha algum tempo que nao te vejo
ha algum tempo que nao te oiço
ha algum tempo que nao te sinto
ha algum tempo que nao te conheço

ha quanto tempo nao te ves?
ha quanto tempo nao te ouves?
ha quanto tempo nao te ...?
ha quanto tempo te tornaste um estranho?

ha algum tempo que nao
ha algum tempo que nao
ha algum tempo que nao
ha algum tempo que nao sei...

ha algum tempo que nao sei de ti
mas sei de mim...
sei?

Thursday, April 28, 2005

ha dias assim...

ha dias em que acordas e te apercebes que nao vai mesmo valer a pena
ha dias em que acordas e sabes que vai mesmo valer a pena
ha dias em que acordas e nao sabes nada...
embora estes sejam a maior parte dos dias, quando ao acordares ja te apercebes que nao sabes nada do que se vai passar, nem tens espectativas, ficas triste
eu, pelo menos, fico...
a medida que o dia vai avançando posso ir ficando mais triste ou mais feliz, o pior e ir ficando mais indiferente ao que se vai passando a minha volta
a rotina faz isto as pessoas, pelo menos faz-me isto a mim
hoje acordei assim
ja me levantei tarde, de proposito, hoje nao me apetecia estar acordado muito tempo
quando chego ao trabalho, ao mesmo tempo, o meu dia começa e acaba
quando saio do trabalho, o meu dia so acaba
a noite e a solidao faz isto as pessoas, pelo menos faz-me isto a mim...
queria contar uma historia, mas falta-me a imaginaçao, ou entao sobram-me as palavras
o acidente mudou-me
a sorte mudou-me
nao me mudou no que devia ter mudado
nao me mudou na responsabilidade
nao me mudou no cuidado
mas sinto-me diferente, sinto-me mudado
o acidente incomodou-me...
a sorte incomodou-me...

ha dias assim...
eu hoje sinto-me assim...

Saturday, April 16, 2005

Aconteceu

um belo dia, estava eu sentado a minha secretaria, em casa, no trabalho e a nossa secretaria, somos alguns a trabalhar na mesma mesa, quando olho para a rua e qual nao e o meu espanto quando vejo que de repente ja nao havia luz. de um momento para o outro, as 15 horas, pleno mes de agosto, uma noite linda, uma lua cheia como so se ve nos filmes.
estava sozinho ja ha tres dias, farto de comer tostas mistas e batatas fritas de pacote, decidi sair de casa, ver como estava aquela "noite". ja que era tudo tao unico, decidi aproveitar e deixei o carro onde estava, como normalmente, meio na estrada, meio no descampado, mesmo ja tendo sido avisado enumeras vezes pelo proprietario do mesmo, que um dia lhe passa com o tractor por cima.
quase noventa anos, nao tem familia, os amigos ja "partiram todos de viagem", como ele mesmo diz, e normal que goste de dizer qualquer coisa. por vezes ja faço de proposito, quando sei que ele vem no dia seguinte, mesmo que tenha outros lugares para estacionar, la vou deixar o carro, meio na estrada, meio no descampado, sabendo de ante mao que no outro dia quando sair para trabalhar, o senhor joaquim me vai dizer pela milesima vez, que um dia lhe passa com o tractor por cima. sempre com um sorriso, respondo que infelizmente nao tinha outro sitio, mas que nao se volta a repetir. ele aceita as minhas desculpas, volta a sentar-se ao lado do tractor, o primeiro e unico que comprou quando tinha vinte anos e de uma "qualidade que ha muito nao se ve".
e bom morar meio na cidade, meio no campo. em dez minutos estou no centro, em dez minutos estou de volta ao campo, ouvindo os passaros a cantar. sai, estranhamente o senhor joaquim nao me disse nada, nao reparei mas acho que nem o vi, normalmente dou por ele porque ele me chama. hoje nada, sera que estava ainda a dormir? mas sao tres da tarde! segui pela rua das laranjeiras, a unica rua das laranjeiras que conheço, que nao tem uma unica laranjeira e segundo relatos mais antigos, nunca teve. teve em tempo nespereiras. tudo me parecia igual, estranhamente igual, demasiado igual. sera que so eu via que era noite? claro que era, aquela lua nao dava para enganar, grande, redonda, brilhante, cinematografica. as pessoas agiam como se nada de estranho se estivesse a passar. continuavam a fazer o seu trabalho, as pastelarias a funcionar com as luzes ligadas, os carros de farois acesos, todas as lojas com as montras iluminadas. nao sabia muito bem onde queria ir, ou talvez nao quisesse ir a lado nenhum, so queria admirar este raro instante de noite a meio da tarde. ja tinha ouvido falar, como muitos de nos, do sol da meia-noite nos paises escandinavos e de uma certa forma, sentia que nos, estando no sul, tinhamos direito a nossa lua do meio-dia (15 horas). de qualquer das formas, uma coisa era certa, ainda nao tinha comido nada e começava a ter uma certa fome. decidi ir a um daqueles restaurantes pequenos onde se come ao balcao, normalmente as pessoas que trabalham por perto e nao tem muito tempo para comer. nesses sitios a comida costuma ser boa, mesmo que seja so uns ovos estrelados com salsichas. quando la cheguei e embora ja fossem 16 horas, a dona julia, senhora dos seus sessenta e poucos anos, pequena, magra, com as rugas proprias da idade, os cabelos brancos cobertos pela touca branca, depois de ja ter cozinhado, em poucas horas, para metade da populaçoa trabalhadora da zona, ainda teve paciencia para me fritas os tais ovos com as tais salsichas. como sera levar uma vida, a fazer dia apos dia o mesmo trabalho? sempre com um sorriso nos labios e uma palavra amiga e pessoal, sera que chega a um ponto em que se deixa de pensar e faz-se por fazer?
depois da minha refeiçao rica em hidratos de carbono e outros que mais, excelentes para quem deseja fazer uma alimentaçao equilibrada com o objectivo de viver ate aos cento e poucos anos e daquele doce da casa que so a dona julia sabe fazer, cujos ingredientes ficam no segredo dos deuses, so se sentindo um leve aroma a cafe, veio a bica. esse nectar para tantos, tanto no verao como no inverno, que acompanha, por vezes esse estranho prazer do "meinho" de bagaço.
so ai me lembrei que la fora ainda estava de noite e que a lua parecia brilhar mais do que nunca. perguntei entao ao senhor manel, marido da dona julia, o que e que achava desta lua a meio da tarde. " ah e verdade, ainda nao tinha reparado, sabe como e, andamos aqui o tempo todo de um lado para o outro, atarefados em tentar servir toda a gente, que ainda nao tinha reparado. o que os homens fazem..." e assim foi levantar uma mesa que tinha cabado de se levantar, do senhor valter do banco, que vem todos os dias, religiosamente para a mesa do canto, a espera da sua esposa, a dona maria que trabalha nos correios, ao fundo da rua. nao tem filhos, nunca se soube se por opçao ou por imposiçao da natureza, a verdade e que continuam sozinhos, mas juntos ha mais de vinte anos. fiquei mais um bocado a olhar pela janela, a apreciar este momento estranhamente agradavel e raro de paz...
sai no sentido do rio, pouco mais de 10 minutos a andar calmamente, a olhar para as montras, a pensar se comprava ou nao. calças, t-shirts, uma camisola ou um casaco , mas nunca gostei de compras o que me leva a ter roupa com mais estaçoes do que seria recomendado.
mesmo assim ha muita gente na rua. as nossas senhoras nas melhores lojas, experimentando vestidos, enquanto os nossos senhores esperam ca fora, talvez sem muita paciencia, fumando as suas cigarrilhas, enquanto aguardam que as nossas senhoras os chamem para puxarem dos cartoes "magicos" e pagarem aquele vestido que era imperativo que tivessem porque a amiga vasconcelos falou tao bem da loja e do atendimento e da classe e da elegancia e do charme e do bla bla bla bla bla... os nossos senhores ja deixaram de ouvir ha uns quinze anos. continuo a andar sem rumo e quando dou por mim, ja atravessei toda a rua das lojas e estou nas margens do nosso rio. o rio. nao e nenhum tejo, nem nenhum douro, e o nosso rio, navegavel por pequenos barcos que levam, dia apos dia, varias vezes ao dia, os nossos turistas que vem passar as suas ferias e aproveitam para conhecer a costa "no seu mais puro estado". aqueles pequenos recantos visitados so por uma meia duzia de pessoas... de cada vez. os barcos sao pequenos, frageis, entram nas grutas e maravilham quem la vai. os "comandantes", antigos pescadores que ja nao tem saude para a pesca, ou estrangeiros que vieram a primeira vez de ferias, quando ainda tinham sonhos de juventude e ficaram maravilhados com a beleza primitiva e natural do local. hoje, mais ou menos integrados, com os seus sotaques tao caracteristicos de quem nao consegue melhor, porque o "portugues e uma lingua muito dificil" e o alemao e o holandes tem sotaques muito fortes. ou talvez porque quem viaja nos seus barcos, fala a sua lingua e eles passam a maior parte do tempo nos barcos. hoje em dia a regiao esta diferente, muito diferente, mas para quem levou as ultimas duas decadas a mostrar o melhor que ha, ha sempre um sitio novo, por explorar por aquela meia duzia de pessoas... de cada vez. ja nao se vem os barcos a chegar com as gaivotas a sobrevoar, na esperança de conseguirem algum peixe que saia borda fora, mas as margens do rio continuam a encantar, quem nelas vem descansar, pescar, olhar, ler um livro, passear. nunca fui grande amante do rio, mas tambem nunca tinha visto o rio a noite, as 17 horas, com uma lua destas.
comecei o meu caminho de volta a casa, passei pela rua das lojas, ainda cheia de gente, com as montras ainda iluminadas, o restaurante da dona julia e do senhor manel agora fechado. sai do centro e entrei no campo, ha menos luz aqui, nao ha candeeiros e a luz da lua cria sempre umas sombras, ao mesmo tempo interessantes e assustadoras, especialmente no campo. chegado a casa, o senhor joaquim ja tinha ido. o meu carro ainda intacto e a minha casa continua vazia. o meu pessoal so volta daqui a mais quatro dias. nao da nada na televisao, os noticiarios continuam a falar das mesmas coisas, a maior parte delas ma e nem uma mençao a lua das tres da tarde...
fui dormir as 20 horas, acordei no outro dia de manha e estava tudo igual. a minha casa continua vazia, os noticiarios a falar das mesmas coisas, o meu carro intacto e o meu pessoal so volta daqui a tres dias...
sera que sonhei?

a gota que faz transbordar o copo

tudo tem um peso, tudo tem uma medida e por conseguinte, ou talvez nao, um limite.
como um copo, como uma gota, como um corpo, como um espirito.
qual e o teu limite? quando e que vais transbordar o copo?.
espero que ja nao falte muito, o meu ja esta quase cheio. o que e que a mae vai dizer quando vir esta agua toda espalhada por todo o lado? na sala, no quarto, na cozinha, na casa-de-banho, na cabeça, nas pernas, nos braços, por dentro e por fora.
ha quanto tempo ja estas a encher? ja perdi a noçao do tempo.
ainda te lembras quando e que começaste? a memoria e traiçoeira e por vezes so te lembras do que queres.
ja alguma vez paraste para pensar? quero dizer, vais na rua a andar e de repente paras. porque te apetece, porque nao te apetece, ja?
para e pensa, talvez nao existam gotas suficientes para fazer transbordar o copo.

Tempo para pensar

londres
metro
de leytonstone ate oxford street
quase 3 semanas
... muito bom e decepcionante

mudança. neste caso esperança. esperança na mudança. passadas 3 semanas, esperança com inicio de desespero.

tudo começou dia 6 de novembro. na realidade tudo começou 1 dia (?) do mes de maio.
mas 6 de novembro. chegada a londres com as malas cheias. bilhete so de ida. muita esperança.
nem tudo tem sido perfeito. mas tambem nao o era pedido... esperança na perfeiçao, facil e rapidamente anulada. demonstraçao forçada de maturidade apos incrivel e abundante infantilidade.
nem tudo esta resolvido. alias nada esta resolvido a nao ser o estou.
londres e eu, eu e londres. que dualidade tao estranha, tao pouco reflectida, tao simplesmente acontecida.
partida
coraçao
aguardar
a quem e que quero provar que consigo fazer o que?
a mim nao preciso de provar nada.
preciso, isso sim, de fazer alguma coisa (urgente).
a ti. nao. nao me conheces suficientemente bem para que se imponha alguma prova de alguma coisa. quando me conheceres, deixa de ser necessario. conheces-me, ai ate bem demais e ja nao preciso de te provar nada.
quem disse que 22 anos era uma boa idade para começar fosse o que fosse? eu nao fui de certeza.
o metro. quanto tempo de vida sera passado nestas viagens? nao falo do senhor ou senhora que conduzem o veiculo. falo de alguem que faça estas viagens casa, trabalho, trabalho, casa.
da que pensar, da para pensar, da para viver, da para morrer.
um dia acordas. olhas para o lado e ves alguem que nunca tinhas visto antes. num sitio que nunca tinhas visto antes. e dizes... provavelmente nao dizes. e preferivel nao dizer, nao pensar.
tens tempo no metro para o fazer...

Friday, April 15, 2005

primeira vez

ola pessoal, amigos, desconhecidos e afins
esta e a minha primeira vez
dizem que ha sempre uma primeira vez para tudo na vida, eu digo que ha coisas que nao valem a pena serem feitas, nem uma vez...
mas isso fica para outra vez
fui encorajado pelo meu amigo p b (nao sei se me deixa usar o nome dele) a fazer um blog, sem saber sequer muito bem no que me vou meter, mas ca vou eu!
"assim vamos levando...", pareceu-me ser um titulo interessante (presunçao minha? talvez!) para um blog que se quer actualizado, de quando em vez
assim vamos levando a vida, assim vamos levando o trabalho, assim vamos levando as relaçoes, deixo ao vosso criterio o que cada um quiser ir levando...
eu vou levando estas noites, passadas em claro, por obrigaçao, dever, direito ou prazer, talvez de tudo um pouco, mas e assim que as vou levando...
este espaço parece-me bom para partilhar, com quem quiser, tudo aquilo que me vem a cabeça, quando as horas a minha frente sao muitas e o que ha a fazer e muito pouco
por isso nao se preocupem, que a minha presunçao fica-se pelo interessante que acho o titulo que encontrei para este blog
nao faço isto para que me leiam faço isto para pensar viver e escrever
ficamos por aqui, para primeira vez...
visitas.