Calor
“Está um calor que não se aguenta”
Pensava enquanto escorria suor, mesmo à sombra, numa esplanada à beira mar!
Há meses que não saia da rotina, casa trabalho, trabalho casa e hoje, enquanto destilava pensava “Quem me mandou a mim sair de casa?”
O Aleixo aceitou uma deslocação de trabalho para Angola. Seriam só uns meses, casa, todas as condições de habitabilidade e deslocação…
Enfim, depois da separação não havia nada que o prendesse a não ser a Laurinha, mas o dinheiro extra iria dar muito jeito, para pagar o colégio da Laurinha. Os pais já morreram, os dois irmãos, um na Bélgica e o outro no Canadá.
Os meses a que se propôs ir para Angola, em 2011, transformaram-se em 1 ano, depois em 2 e ainda continuam.
Vai com regularidade a Portugal. Na posição que ocupa, consegue ir 3 períodos de 2 semanas, por ano. “Sempre dá para matar as saudades da miúda…”. Já não vê os irmãos há anos, é difícil conseguirem encontrar-se todos ao mesmo tempo em Portugal.
Habituou-se a Angola, habituou-se à confusão do trânsito de Luanda, o trabalho “trabalho é trabalho seja onde for”.
O Aleixo foi casado com a Fátima durante 10 anos, nasceu a Laurinha e pronto as coisas não se desenvolveram, provavelmente desde o início que não se desenvolveram, mas agora também não interessa, já passou demasiado tempo para voltar a essas preocupações.
Hoje, no dia do seu 43º aniversário, Sábado, acordou por voltas das 8h e pensou “Porra Aleixo, fazes anos hoje, não vais passar o dia todo em casa, sem fazer nada”. E assim decidiu sair e ir até à ilha.
Assim que se sentou na esplanada, começou o arrependimento “Que calor horrível!”. O Aleixo não está habituado a estar na rua. Em casa tem ar condicionado, no carro tem ar condicionado, no escritório tem ar condicionado. Vive em África, mas não sente África…
Não gosta de sair, há meses que não saia, mas hoje decidiu, mesmo sozinho e porque fazia anos, sair para celebrar, sozinho… Decidiu ligar ao António, colega da empresa, que como ele tinha vindo para Angola por um período de meses e já lá iam 4 anos.
Já estava na esplanada há 2 horas e entre uma cerveja, um pica-pau e um mergulho no mar, deu por si a pensar que afinal tinha tomado uma boa decisão ao sair de casa.
O bar estava animado, à medida que o tempo ia passando, iam chegando mais pessoas, que iam ocupando as mesas e as espreguiçadeiras montadas na areia.
Entretanto chegou o António.
Mas o António é diferente do Aleixo, mais extrovertido, sempre bem-disposto, passado pouco tempo depois de chegar a Angola e sendo solteiro, arranjou namorada.
O Aleixo ainda lhe disse, “vê lá no que te estás a meter”, mas o António não ligou e fez bem. Está com a Esilda há 3 anos e dão-se muito bem. Têm um bebé a caminho e isso é que preocupa o António, depois do bebé nascer, onde é que vão viver.
O Aleixo é assim, um homem preocupado, não sabe bem com o que, mas preocupado, pouco dado grandes algazarras, tímido, introvertido.
Quem o vê no escritório, não vê o verdadeiro Aleixo. No escritório e pela posição que ocupa é um homem confiante, responsável, seguro de si mesmo. É o personagem que ele encarna.
O António chegou e fez-se logo notar, chegou à mesa a cantar os parabéns, a rir, a abraçar o amigo, a chamar os empregados, porque festa não se faz a seco.
As mesas em redor repararam e começaram a rir, a achar piada à situação e se o Aleixo tivesse um buraquinho no chão nesse momento, tinha-se escondido lá dentro.
“Para com isso António, deixa-te de coisas pá, se soubesse que ias armar essa confusão não te tinha dito nada”
“Ah deixa de ser assim, é o teu dia de anos, diverte-te!”
Os ânimos acalmaram e ficaram os dois a conversar. Tinham feito um acordo há anos de não conversar de trabalho fora do escritório e conseguiam manter.
Falavam da vida, o Aleixo falava da Laurinha, o António falava da Esilda, falavam de Portugal, falavam das saudades, falavam dos planos que tinham para o futuro…
Numa ida à casa-de-banho, o António cruzou-se com uma senhora, aparentava estar nos 30’s, muito bonita, simples e elegante. Quando se olharam ela sorriu-lhe e deu-lhe os parabéns, tinha ouvido a chegada do António. O Aleixo muito envergonhado, agradeceu e corou, ela soltou uma pequena gargalhada e cada um foi para seu lado.
Quando voltou para a mesa, o António ao ver a cara do Aleixo, perguntou-lhe “então pá viste algum fantasma?”
“Pelo contrário António, pelo contrário…” e mais não disse, mas o seu sorriso traí-o.
Procurou a sua nova amiga pelas mesas do bar e viu que estava sentada numa mesa, com mais 3 amigas. Todas mais ou menos da mesma idade, todas simples, bonitas e elegantes.
Conversavam alegremente e nisto o Aleixou reparou que a sua nova amiga também estava a procura de alguém, quando os seus olhares se cruzaram novamente, ela voltou a sorrir e o Aleixo voltou a ficar corado…
“António, vou à água, queres vir?”
“Sabes que eu não sou dado a banhos, vai lá tu que eu guardo a tua cerveja!” e soltou mais uma gargalhada.
Ao sair da água, cruza-se com a sua nova amiga que ia tomar banho com 2 das amigas da mesa e ela lança-lhe um “Aniversariante…” entre um sorriso.
“Raio do António que não sabe estar calado” mas ao mesmo tempo até gostava da atenção que estava a ter.
Quando chegou à mesa, viu o António um bocado atrapalhado.
“Então o que é que se passa António?”
“Aleixo, desculpa tenho que ir embora, a Esilda ligou-me e precisa de mim lá em casa. Não me explicou porque, só me disse que é urgente” e saiu disparado, deixando o Aleixo sozinho.
“Então e agora o que é que eu faço aqui sozinho?” pensou, mas no que pensava chegou-lhe à mesa o almoço que entretanto se tinha esquecido.
“Almoço e vou embora”
De olhos no prato, quando reparou que alguém se tinha aproximado, assustou-se mas quando levantou os olhos, tinha a sua nova amiga à sua frente a sorrir e a perguntar-lhe se se podia sentar.
Só conseguiu acenar afirmativamente com a cabeça, não sabia o que dizer.
“Olá, o meu nome é Isabel”
“Eu sou o Aleixo”
“Eu sei, ouvi o teu amigo chamar-te quando chegou” e soltou uma gargalhada.
Aqui o Aleixo também riu, não tinha como não rir.
“E o teu amigo?”
“Foi embora, a mulher ligou-lhe, disse que tinha uma urgência em casa”
“Posso ficar aqui contigo?”
“Podes claro, mas e as tuas amigas?”
“Elas estão bem, estão a mal-dizer os maridos!”
“E tu não mal-dizes o teu?”
“Para o mal-dizer, teria que o ter…”
As horas foram passando, a conversa continuou a fluir, a Isabel era muito simpática, o Aleixo tímido, ele gostou da simpatia dela e ela gostou da timidez dele. Entretanto as amigas vieram à mesa dizer que se iam embora, o Aleixo disse à Isabel que se ela quisesse ficar, ele dava-lhe boleia a casa e ela aceitou. Assim, as amigas foram embora, o amigo já tinha ido e ficaram os dois.
Quando deram por si, era quase de noite.
“Está a ficar tarde, se calhar é melhor irmos andando, mas…” disse o Aleixo
“Sim?” respondeu a Isabel
“Não queria ficar por aqui”
Agora foi a vez da Isabel ficar com vergonha, baixou a cabeça e disse-lhe que também não queria ficar por ali.
“Olha, moramos os dois não muito longe, deixo-te em casa, vou a casa, preparamo-nos e vamos jantar?” O Aleixo nem sabia de onde lhe tinha saído esta coragem, mas assim que disse arrependeu-se com medo que a Isabel recusasse. Para espanto dele, ela concordou.
O Aleixo deixou a Isabel em casa, foi para casa e deitou-se por um momento no sofá.
Acordou no dia seguinte, às 7:30h e quando viu o telemóvel tinha 3 chamadas não atendidas da Isabel…
“Burro…”